Este pêlo branco

Aqui, nesta montanha batem os primeiros matinais raios de sol e quando este desce e se apresenta o luar tem-se a sensação de que nada se apresentou diferente do que já foi, do que é ou que poderá vir a ser. Não espere nada, nem deslumbramento nem desilusão, não é essa a brancura que se pretende.
Anseie o nulo para que atinja o supremo início do tudo de novo.
Muito gosto,
Cabra Branca.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Descalça

Acordou com a boca seca e a garganta a doer, muitas horas a dormir de boca aberta. Despertou no silêncio, com a fraca luminosidade e os olhos remelentos mal conseguia vislumbrar qualquer conteúdo, a ausência de sons ajudaram a não se despregar da cama, sem preocupações voltou a cair no sono.
A porta da rua batera como empurrada pelo vento e os passos em corrida pelo que parecia um longo corredor acordou-a. Sentiu alguém perto do seu quarto a abrir lentamente a porta, ao fundo duas vozes falavam, riam animadas no que parecia, pelo eco, uma grande cozinha. O barulho dos sacos de plástico, a porta do frigorifico que abrir e fechar e abria e fechava em igual ritmo a uma cauda que abanava num porte médio de cão,
- mãe, mãe.... mãe acorda...
O suave timbre e o doce carinho daquela voz em nada lhe era familiar. Célia abriu os olhos devagar, meio a medo visava uma menina tão branca quanto os lençóis, olhos verdes espelhados e cabelos escuros, muito finos,
- mãe! Sorriu a menina, que pegou na mão daquela mulher ainda narcotizada, anda mãe, anda ver, compramos muitas coisas para a tua festa de anos, o pai até comprou champanhe para mim, champanhe de criança, claro. Célia deixou-se conduzir por aquela mini-gralha, por aquela que lhe chamava mãe uma criatura com não mais de 4 primaveras.
Chegou à cozinha arrastada e tonta, os pés descalços abandonaram o piso de madeira e sentiram o frio da pedra preta do chão da cozinha, gelou, reconheceu Camila, a sua filha, aqueles olhos grandes e sorriso peculiar era impensável não reconhecer, mas Camila parecera-lhe bem mais velha. Largou a mão da petiz e correu para junto de Camila.
- Camila que se passa aqui? Quem é esta gente? Célia com cara e voz aterrorizada.
- Como assim mãe?
- Quem são estes, onde estamos?
A pequena correu para o colo do pai, o cão soltou um guincho e enfiou-se debaixo da grande mesa como se protegendo de uma assombração.
- Mãe? Atreveu-se sussurrando em voz ainda mais doce a pequena Sofia.
- Xiuuu disse o pai no ouvido da pequena.
- Mãe?! Estranhou Camila, só podes estar a brincar, o Jorge o teu marido a Sofia vossa filha, o nosso cão Bernardo e estamos em nossa casa!!!!
O silêncio e a expectativa não deixou muito tempo para Célia pensar... - ahahahaha família, pois a minha família! Verbalizou Célia em tom irónico, com sorriso amarelo e num gesto improvisado sacou uma pêra da fruteira que ornamentava a mesa, deu uma dentada na suculenta pêra e questionou. - Já agora quantos anos completo hoje?
- 44 mãe!
Célia deixou cair a pêra que Bernardo prontificou-se a concluir, correu pelo longo corredor enfiando-se no quarto, abriu a porta do roupeiro e tentou reconhecer-se ao espelho... Acordou com a boca seca e a garganta a doer, muitas horas a dormir de boca aberta. Despertou com o barulho dos autocarros e táxis da cidade, com a fraca luminosidade e os olhos remelentos mal conseguia vislumbrar qualquer conteúdo, mas a presença da vontade ajudaram a perceber que sem preocupações voltaria a ter uma família.

6 comentários:

  1. Esse texto não tem nada a ver com a problemática da solidão que tem estado tão actual nos últimos dias ou tem? A sério, não é um texto fácil de uma só leitura e às tantas já estava a associar o título ao desejo da Célia de voltar a ter uma família, como se descalça significasse "faltar algo". Mas isso sou eu com os meus botões a pensar.Foi bom voltar a passar por aqui.

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  2. Eu acho que o Miguel pensa de mais… (risos)

    Eu confesso estar apenas chocado de encontrar um “conto” tão sóbrio, cândido e pueril… no offence

    Não vejo solidão, parece – me mais a voracidade com que os anos passam, um dia acabamos necessariamente por acordar e aí sim esbarramos com tudo o que já não voltamos a repetir. E mesmo nessa fase, há que “apanhar” rapidamente a noção de que temos de continuar a viver, a sentir, a sugar o que a vida tem para nos oferecer.

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  3. Tenha um bela noite e venha ver como eu postei o teu poema, beijos !!!

    http://ulissesreis.blogspot.com/2011/02/assalto.html

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  4. Bom... com tão poucas e boas criticas, resta-me um alvitre!


    Os silêncios da cidade magoam... apesar de vivermos num balúrdio de sons, imagens, e sentimentos...
    Um beijo

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  5. Meu querido Miguel e Sam, gosto de vos ver a pensar, o texto fala do que se consegue interpretar, fico muito feliz pelas várias interpretações e ver-vos aos dois a comentar foi uma alegria, recorda-me bons post`s passados, já tinha saudades.
    Beijinhos suaves nos dois.

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  6. Ba Bocage, obrigada por tão prestigiada visita :-)
    Beijinho

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