Este pêlo branco

Aqui, nesta montanha batem os primeiros matinais raios de sol e quando este desce e se apresenta o luar tem-se a sensação de que nada se apresentou diferente do que já foi, do que é ou que poderá vir a ser. Não espere nada, nem deslumbramento nem desilusão, não é essa a brancura que se pretende.
Anseie o nulo para que atinja o supremo início do tudo de novo.
Muito gosto,
Cabra Branca.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Geni e o Zepelim

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada.
O seu corpo é dos errantes,
Dos cegos, dos retirantes;
É de quem não tem mais nada.
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina,
Atrás do tanque, no mato.
É a rainha dos detentos,
Das loucas, dos lazarentos,
Dos moleques do internato.
E também vai amiúde
Co'os os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir.
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir:
"Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!"
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante,
Um enorme zepelim.
Pairou sobre os edifícios,
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim.
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia,
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de idéia!
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade,
Resolvi tudo explodir,
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir".
Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar;
Ela é boa de cuspir;
Ela dá pra qualquer um;
Maldita Geni!
Mas de fato, logo ela,
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro.
O guerreiro tão vistoso,
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro.
Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela),
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre,
Tão cheirando a brilho e a cobre,
Preferia amar com os bichos.
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão:
O prefeito de joelhos,
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão.
Vai com ele, vai Geni!
Vai com ele, vai Geni!
Você pode nos salvar!
Você vai nos redimir!
Você dá pra qualquer um!
Bendita Geni!
Foram tantos os pedidos,
Tão sinceros, tão sentidos,
Que ela dominou seu asco.
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco.
Ele fez tanta sujeira,
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir,
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir:
"Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!


Vindo de : O Mal Educado
Obrigada.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

estranha

Virou-lhe as costas, depois de fechar a falsa pouchet louis vuitton. Nada mais ali se servia. Ao fim de dúzia de passos, Lia percebera que ele não viera atrás e então sentiu liberdade a inspirar forte, encheu os pulmões de ar tranquilo e soltou-o com maior licença.

Uma noite finda, uma igual a tantas outras, tantas foram que Lia perdera a noção. Naquele corpo navegaram mais tripulantes que os de Oasis of the Seas. Ela, indiferente, qualquer água turva servia, seria boa, pura e límpida para se lavar e esquecer o que em poucas horas se transformaria. Lia virou costas, encarou o dia. Alivio certo agora, a sua pouchete abria e dentro dela via, o maço de notas que ainda quente reluzia, a calma surgia.


sábado, 19 de fevereiro de 2011

O amor não admite ilusões

Juliana içava padrão de mulher perfeita, agradável personalidade, bela forma de estar na vida. Aparentava vivacidade e alegria, ofertava sorrisos e bem estar, segurança no saber, quereres carregados de certezas infindáveis, enfim, contagiante Juliana, era uma mulher quase perfeita.
Quase perfeita não fosse coabitar nela uma imensidão de incertezas e inseguranças, sobressaltos e agonias travadas, lutas solitárias em desencantos travados, monologas palestras, enfim, contagiante Juliana, quase perfeita, doce Juliana.

Foto de Policarpo

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A MiguelB e Sam Seaborn

Dedico esta música a dois dos comentadores mais antigos deste blogue
obrigada,

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Descalça

Acordou com a boca seca e a garganta a doer, muitas horas a dormir de boca aberta. Despertou no silêncio, com a fraca luminosidade e os olhos remelentos mal conseguia vislumbrar qualquer conteúdo, a ausência de sons ajudaram a não se despregar da cama, sem preocupações voltou a cair no sono.
A porta da rua batera como empurrada pelo vento e os passos em corrida pelo que parecia um longo corredor acordou-a. Sentiu alguém perto do seu quarto a abrir lentamente a porta, ao fundo duas vozes falavam, riam animadas no que parecia, pelo eco, uma grande cozinha. O barulho dos sacos de plástico, a porta do frigorifico que abrir e fechar e abria e fechava em igual ritmo a uma cauda que abanava num porte médio de cão,
- mãe, mãe.... mãe acorda...
O suave timbre e o doce carinho daquela voz em nada lhe era familiar. Célia abriu os olhos devagar, meio a medo visava uma menina tão branca quanto os lençóis, olhos verdes espelhados e cabelos escuros, muito finos,
- mãe! Sorriu a menina, que pegou na mão daquela mulher ainda narcotizada, anda mãe, anda ver, compramos muitas coisas para a tua festa de anos, o pai até comprou champanhe para mim, champanhe de criança, claro. Célia deixou-se conduzir por aquela mini-gralha, por aquela que lhe chamava mãe uma criatura com não mais de 4 primaveras.
Chegou à cozinha arrastada e tonta, os pés descalços abandonaram o piso de madeira e sentiram o frio da pedra preta do chão da cozinha, gelou, reconheceu Camila, a sua filha, aqueles olhos grandes e sorriso peculiar era impensável não reconhecer, mas Camila parecera-lhe bem mais velha. Largou a mão da petiz e correu para junto de Camila.
- Camila que se passa aqui? Quem é esta gente? Célia com cara e voz aterrorizada.
- Como assim mãe?
- Quem são estes, onde estamos?
A pequena correu para o colo do pai, o cão soltou um guincho e enfiou-se debaixo da grande mesa como se protegendo de uma assombração.
- Mãe? Atreveu-se sussurrando em voz ainda mais doce a pequena Sofia.
- Xiuuu disse o pai no ouvido da pequena.
- Mãe?! Estranhou Camila, só podes estar a brincar, o Jorge o teu marido a Sofia vossa filha, o nosso cão Bernardo e estamos em nossa casa!!!!
O silêncio e a expectativa não deixou muito tempo para Célia pensar... - ahahahaha família, pois a minha família! Verbalizou Célia em tom irónico, com sorriso amarelo e num gesto improvisado sacou uma pêra da fruteira que ornamentava a mesa, deu uma dentada na suculenta pêra e questionou. - Já agora quantos anos completo hoje?
- 44 mãe!
Célia deixou cair a pêra que Bernardo prontificou-se a concluir, correu pelo longo corredor enfiando-se no quarto, abriu a porta do roupeiro e tentou reconhecer-se ao espelho... Acordou com a boca seca e a garganta a doer, muitas horas a dormir de boca aberta. Despertou com o barulho dos autocarros e táxis da cidade, com a fraca luminosidade e os olhos remelentos mal conseguia vislumbrar qualquer conteúdo, mas a presença da vontade ajudaram a perceber que sem preocupações voltaria a ter uma família.