Agora estou no café, no café da zona, onde a terceira idade abunda. Peço um café acompanhado por um copo com água e claro o pacote de açúcar, o pequeno pacote Nicola, portador de dizeres. Leio o que um tal Pedro Malaca diz, uma noite pego numa tesoura e corto as “amarras”. Hoje é a noite. Sorrio, hoje ainda é de dia e ontem era noite. Li.
Hoje entrei no carro, bem pela fresca, vi no banco traseiro uma lupa roubada, não por mim, mas por alguém mais pequeno que a furtou de casa de uma bisavó quase centenária. Olhei a lupa, percebi que preciso dela, daquela lupa que amplia vontades, aquela lupa sabedora, aquela que ficou esquecida no banco traseiro do carro. A bisavó já nem sabe dela, e eu? Eu preciso tanto dela, da lupa.
Hoje pensei muito, tanto quanto todos os dias, mas hoje peguei nem pensei, peguei no braço de um aprendiz e meti-o fora da sala. Hoje foi tão fácil meter tal pupilo e é tão difícil pela noite meter graúdo, fora de mim.
Mais daqui a pouco vou ao talho, o talho daqui, aqui ao lado do café, ver os homens de bata branca mascarrada de vermelho sangue, suco de carne defunta no branco daquelas batas. Como detesto carne, porque a como? Porque a dou a comer. Porque me dou a mastiga-la, ela é rija, será que... preciso de ti?
Logo, à noite, quando as amarras forem cortadas, deitada, deliciada por mãos que me amarram, por braços que me elevam numa afluente que entorna desejos sucumbidos do que foi, escorrerá nascente, transbordará cascatas pelas bordas do meu sexo. E oiço sem receio, sem segredos nem mistérios, como todas as letras escritas, gosto de mim.
Li da lupa, fora de mim, preciso de ti, gosto de mim.