Este pêlo branco

Aqui, nesta montanha batem os primeiros matinais raios de sol e quando este desce e se apresenta o luar tem-se a sensação de que nada se apresentou diferente do que já foi, do que é ou que poderá vir a ser. Não espere nada, nem deslumbramento nem desilusão, não é essa a brancura que se pretende.
Anseie o nulo para que atinja o supremo início do tudo de novo.
Muito gosto,
Cabra Branca.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Dia dos vivos

A céu aberto, irrelevante saber se enublado, chuvoso ou solarengo, eles ali estavam. Muitos eram, encontravam-se em fila, uma fileira ansiosa como quem espera por um qualquer pão seco, rijo e bolorento de tempos difíceis. Tesos, cabeças baixas, rostos empalidecidos e pouco sabedores, não querendo conhecer quem estava para trás de si, e os da frente também pouco tinham de importância. Sem vida alguma, sem brilho de alma, marchavam lentos, sempre que a fiada avançava permitiam a ida de um pé atrás do outro. Não atingiam porque ali estavam, nem era de valor perguntar. Eles eram os vivos.
Os outros estavam deitados, lá no fundo, nas arrecadações do confim do mundo. Riam de contentes, bem nutridos por larvas biológicas de cultura fértil e estaladiços vermes, muito crocantes comparáveis a pipoca. Riam a ver o filme dos vivos.
- Coitados dos vivos! Dizia o Alexandre mangando dos vivos.
- Sim, sim - ria um outro - e nós é que somos os mortos!
- Oh cadáver Alexandre, respeito pelos vivos se faça o favor!
- Mas oh Sou Doutoree Cadáverrr pá, eu respeito os gajos! Mas esta coisa da recessão económica está a dar cabo deles pá! Estão vivos a ansiar estarem mortos ou como a outra dizia, estar vivo é o contrario de se estar morto, esta grande verdade já não faz sentido oh sou Dona Lili! Ahahahah
- Mas afinal que tem você a ver com a desgraça dos vivos, a si não o deixa mais morto do que está!?
- Olhe Sou Doutoree, por acaso até deixa pá! É que qualquer dia, um gajo aqui, cai mesmo no esquecimento! Então se a malta lá de cima não tem dinheiro nem pá comida pá, como vão me mudar as flores do meu telhado???

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Insaciavel

Isilda Conceição Bernardo da vila Ruas, filha de gente de bem, no jardim do solar de sua Avó, Bernardete Assunção Celeste Casais da Vila, fumava mais um de muitos cigarros roubados de seu Avô, José da Vila, estando este sempre demolhado nos melhores blended Whiskys do mundo, pouco dava falta numérica na prezada caixa de prata repousada sobre a secretaria Luís XV da particular biblioteca.
Gloria, a filha do motorista, fã incondicional de Isildinha, fazia tudo o que a sua musa ordenava.
- Glória, vá, fume este cigarrinho a meias! 
- Mas, mas..., Isildinha você sabe que eu sou asmática! 
- GLÓRIA FUME!!! 
E sem mais desculpas Gloria fumava e cantava se solicitada, ainda que cantasse que nem uma coruja-barraqueira, dançava que nem uma gorda bêbeda e fazia de dama, dama de companhia a Isildinha mimada.
Certo dia de inverno frio e chuvoso as raparigas não podiam desbravar relva no jardim, assim recolheram-se ao quarto, ocultamente debaixo da alta cama de Isildinha. O fundo da cama estava forrado a desenhos, bocados de papel de embrulho, pastilhas elásticas mastigadas, recortes de jornais e revistas da moda, desejos escritos de "quando for mais velha", enfim, uma panóplia de colagens estonteantes. Ali estavam elas, liam um drama erótico, O último tango em Paris.
– Glória, gosto do imaginário de Bertolucci, esta coisa da vontade sexual por mulheres desconhecidas...
- Sim Isildinha, realmente é empolgante... (Glória inquieta no que dali viria)
- Podíamos ensaiar! Isilda empolgada, excitada com cenas que visionava no seu luxuoso imaginário.
- Ensaiar?!? Retorquiu Glória
- Aí Glória você é uma lesma pensante! Então você é a desconhecida e eu vou engata-la de forma a termos relações sexuais!
Glória empalidecera.
– Mas Isildinha acabo morta?
Isilda fechou o livro, enfadada responde à filha do motorista,
– Não sua pateta! Bem sabe que não gosto de finais trágicos! DISPA-SE! ACÇÃO! 
Glória sem mais cogitações despiu-se apressada e fitou a imagem recortada de Bo Derek, nua em cima do cavalo, colada mesmo diante a seus olhos. Isildinha acompanhou no desnudar desvendando mais uma langerie do tempo em que sua avó tinha umas 20 primaveras.
Como era mais magra que Glória, por determinação montou-se no corpo voluptuoso de Glória que ficara mumificado de olhos esbugalhados na Bo Derek em esplendor domando o macho. Isildinha ensandecida no deleito daquele roliço corpo, remexia-se como louca. O suor nascia em pequenas gotículas no rosto de Glória que não despregava olho da Bo, e aquele ruçanço tornou-se magno, profano de bom sabor.
Glória desejou depois, mais de mil dias  chuvosos e frios.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

devoluta carta

Ó ser que habita em lugar, aldeia, vila ou cidade, num país certamente. Ó apetecível desconhecido, imaginação minha de toque sereno. Endereço-te correspondência, talvez vaga, incerta ou desprovida, sem dúvida minha, inquestionável e apaixonante. Porém não te conheço hábitos, nem costumes nem ideologias, muito menos sentimentos, mas rogo, imploro que sejas distinto e admirável. Que sejas curioso, ambicioso e versátil. Previsível, nunca! Que sejas pois tu, Solitário, que me acompanha, e eu com que tua admiração me ria e me distraia. E se fores mais do que espero, que importa, que convém ao meu querer supérfluo, pois anseio desejos infelizes no registo do que julgo desejar. E nada mutará tua essência porque Tu existes, Tu és espelho sem vislumbre reflexo, onde o meu rosto brilha na ignorância da tua afigurada aparência.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

lost

todos os dias à mesma hora, à hora do lanche, com as mãos sobre o teclado, dou-me conta que o meu corpo corresponde a um sinal já automatizado, fazendo com que o meu pescoço rode na direcção da janela e vislumbre a imagem de um ritual banal, que não despertaria interesse a ninguém. Mas a mim sim! À porta daquela oficina lancha-se uma sande de qualquer coisa acompanhada por uma Sagre mini! Da minha janela … observo que tem cara de miúdo, olhinhos pequenos, sorriso inocente e sincero, cabelo raso a desenhar o contorno da cabeleira que a separa da testa, já com ligeiras rugas, corpinho seco e a pele morena. E eu, sempre me lembro de o ver, desde que as minhas hormonas chamaram por mim. Esse homem que vos falo está ali, no mesmo sítio de sempre, à mesma hora de sempre a comer a sua sande de qualquer coisa com a ajuda da sua mini, todos os santos dias, menos ao fim-de-semana, e hoje é sábado, não está lá, mas as minhas mãos sobre o teclado param, o meu pescoço vira, endireito as costas, regalo os olhos lá para fora, e viso o portão cinzento da oficina que ostenta o sinal de proibição a parar ou estacionar. Ele hoje não está encostado à ombreira de pedra que contorna o portão. É mecânico da oficina, vivo num andar com vista para a garagem, e ele já abriu o motor do meu carro! Terá a minha idade e uma voz sensual, mas depois à hora do costume, vem comer a sande de sempre e beber a mini do costume à porta da garagem, à porta do trabalho… a anilha no dedo, do tamanho de uma nave, brilha quando levada à boca a mini, penso… quem aguenta vê-lo a comer sandes e a beber minis? Comer sandes em segundos, e em menos que isso tomado o rosto bonito por uma forma de balão, não mastiga, engole com a ajuda da mini! Agora ri, graceja com o colega do ramo, e com a língua lava os dentes da boca toda… e assim se perde um homem bonito, é certo que é genuíno, é a minha hora Coca-Cola vestida a rigor. De fato sujo de mecânico, fica-lhe bem as manchas de óleo, bem mais que as migalhas de carcaça armazenadas entre a gola do fato e a t´shirt julgo eu com publicidade da Tudor ou Ford, ... já foi para dentro, comeu o lanche no curto tempo do costume. Por vezes dou-me a pensar como gostava de ir lá e dizer-lhe ao ouvido, assim baixinho, - deixe a sandes para um outro dia, depois de aprender a come-la. Hora Coca-Cola

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Textil do amor

Obrigatório, isso mesmo, seria obrigatório e de lei as pessoas possuírem uma etiqueta informativa, como a conhecemos em toda a peça textil, de uma qualquer forma ou feitio mas imperiosamente visível. Compreensível a qualquer criatura, uma etiqueta legível em várias línguas, ilustrada a preguiçosos, braille a cegos, debruada a linha reflectora para inesperados encontros nocturnos. Não amassar, não atrofiar, não descuidar, não mimar, não desacreditar, não evitar, não saturar... Magicamente documentada sairia esse almejado post-it pelas traseiras da testa, elucidando os leigos, os caídos numa carência esperançada, embrulhados em viagens ridículas, confusas e tolas. Evitando-se tais frágeis e dóceis encantos por esses “desetiquetados”. Prevenindo-se almejar erros de estado confundidos por pequenas posturas desses “desacatalogados”. Assinalados, defendiam-se assim heroicamente os nossos coraçãos, almas, o corpo todo dessa navegação colossal por histórias de final feliz.