
A céu aberto, irrelevante saber se enublado, chuvoso ou solarengo, eles ali estavam. Muitos eram, encontravam-se em fila, uma fileira ansiosa como quem espera por um qualquer pão seco, rijo e bolorento de tempos difíceis. Tesos, cabeças baixas, rostos empalidecidos e pouco sabedores, não querendo conhecer quem estava para trás de si, e os da frente também pouco tinham de importância. Sem vida alguma, sem brilho de alma, marchavam lentos, sempre que a fiada avançava permitiam a ida de um pé atrás do outro. Não atingiam porque ali estavam, nem era de valor perguntar. Eles eram os vivos.
Os outros estavam deitados, lá no fundo, nas arrecadações do confim do mundo. Riam de contentes, bem nutridos por larvas biológicas de cultura fértil e estaladiços vermes, muito crocantes comparáveis a pipoca. Riam a ver o filme dos vivos.
- Coitados dos vivos! Dizia o Alexandre mangando dos vivos.
- Sim, sim - ria um outro - e nós é que somos os mortos!
- Oh cadáver Alexandre, respeito pelos vivos se faça o favor!
- Mas oh Sou Doutoree Cadáverrr pá, eu respeito os gajos! Mas esta coisa da recessão económica está a dar cabo deles pá! Estão vivos a ansiar estarem mortos ou como a outra dizia, estar vivo é o contrario de se estar morto, esta grande verdade já não faz sentido oh sou Dona Lili! Ahahahah
- Mas afinal que tem você a ver com a desgraça dos vivos, a si não o deixa mais morto do que está!?
- Olhe Sou Doutoree, por acaso até deixa pá! É que qualquer dia, um gajo aqui, cai mesmo no esquecimento! Então se a malta lá de cima não tem dinheiro nem pá comida pá, como vão me mudar as flores do meu telhado???