...F(ó)nix
......e

O amanhecer em nada era diferente dos anteriores. O sol acordava os pássaros nas árvores da cidade, cantavam em bando e agitavam as asas secando o orvalho da noite. Mais dois raios e o grande pássaro poisava no beiral da janela, bebericando as gotas de água esculpidas no vidro, umas pareciam-se a minúsculas ventosas, outras enchiam-se mais que a medida, transbordavam e escorregavam desenhando finos rios a desaguarem no beiral. E ele ali ficava, parado, o grande e gordo pássaro, com as suas patas encharcadas nas poças do beirado, os olhos berlindes negros, colados, mirantes sem melindre em sua Eva.
Como era suave o seu dormir, contemplava-a o grande pássaro, tão simples, doce e meiga, tão ténue e adorada. Viajava ali, sem dar a asas, imaginando o seu corpo roliço transpondo-se, infiltrando-se lá para dentro, para aquele quarto quente e odorante. E continuava picando suavemente o translúcido vidro, como quem mata a sede em gotículas abandonadas, esperançado mesmo que breve no acordar de sua amada.
E a donzela virou-se, o grande pássaro assustou-se, quase se baldou, mas somente cambaleou e logo se recompôs... que bela perna aquela que se destapou, amou, vagueou no deslize de sua asa por torneada perna ...quase desmaiou, mas se aguentou e a sua angelical não acordou, nem se levantou. O imenso pássaro suspirou, ainda assim animado deu às asas e dali voou. Consigo esvoaçou o que o encantou.
Outro amanhecer chegou, nada mudou, o sol acordou e ele poisou, esperou no beiral que sempre enamorou, parado no que nunca lhe escapou, o que desta mais uma vez se destapou.