
Um ritual milimétrico o pente passava pelos finos cabelos, pelas brilhantes sobrancelhas e ainda em retoque de mestre entre o bigode e a mosca que sublinhava o contorno dos lábios. Nenhum fio poderia estar desordenado. Um suave aroma a fresca alfazema vinda da roupa sabiamente engomada e vincada por mãos afectuosas. O guarda-chuva enlaçado no braço, preparava-se para sair sem antes cair em esquecimento a última mirada no espelho do antigo móvel do hall. Ali reflectia-se um homem alto, convicto, preparado para as tramas do dia. Assim bem penteado, engomado e perfumado, firmou-se na saída.
Ao abandonar o lar uma dúvida surgira-lhe, uma desconfortável incerteza, talvez uma falha de execução na sistemática preparação matinal. Atrasou a abertura da porta e recuou para um novo espreitar. A sua aparência parecia-lhe bem, no reflexo tudo confinava ao rigor. Ficou para trás a dúvida de tal ânsia e perseguiu ao que se propunha, abriu a porta sem hesitação e fechou-a com maior certeza. Desceu as escadas do seu primeiro andar e encontrou os raios de sol a brilharem no chão mármore do patamar, sorriu na segurança do encontro de um dia lindo, um dia digno de se amar. Alegrou-se, na certeza de encontrar o sublime, um solarengo sossego. Abriu a grande porta do prédio, seguro no luminoso dia, maravilhado e convicto.
Sem misericórdia, a um servo rigoroso, o vento despiu-o ali com pressa e sem perdão, não deu espaço sequer a uma retorção, um aterrador e maléfico sopro, um impiedoso vendaval o despreparou e desesperou, despenteou e desordenou e aquela agora imperfeita figura, lutou a dois braços para fechar a majestosa porta. Fechou-a. O ritmo cardíaco acelerado e o som do vento ainda arfava a seu ouvido... annhhhh, annhhh, anhhhhh ....amooorrrrrr, dá-me, dá-me annhhhh, sim, sim, dá-me...o coração tranquilizou, afinal era a Susana Tornado, ainda em lençóis com ela quente entre braços.